Afinal, o que é tontura?
Após me formar médico, em 2007, minha primeira experiência profissional foi como clínico geral numa cidade do interior. Dizem que, se um médico tivesse 10% do conhecimento que um recém-formado em medicina acha que tem, ele seria o melhor médico do mundo. Não acho que me enquadrava nesta caricatura de recém-formados em medicina, mas, no entanto, acreditava possuir uma boa formação. De fato, muitas consultas que fazia serviram para corrigir algumas condutas médicas anteriores, que eu julgava ultrapassadas. Apesar de minha satisfação em tratar de forma correta as doenças mais comuns de um generalista, como a hipertensão, diabetes, asma, entre outras, havia uma doença que me era amedrontadora: a labirintite.
Durante meu curso de medicina, não lembro de ter tido experiência com nenhum paciente com doenças do labirinto, já que meu internato (estágio obrigatório que ocupa os dois últimos anos da faculdade de medicina) não incluiu a otorrinolaringologia. Dessa forma, não lembrava de ter atendido pacientes com queixa de tontura/vertigem. Muitos já me questionavam "labirintite tem cura?" Lembro de uma sugestão de um colega, de uma ou duas turmas à minha frente, que trabalhou no mesmo município que eu: "eu tenho ótima experiência com o vertix e o stugeron", sugerindo que eu prescrevesse esses medicamentos para tontura para os pacientes com essa queixa. Pra piorar a situação, eu descobri que essa queixa de tontura era bastante comum e, todas as semanas eu atendia alguém que afirmava ter a tal labirintite, queixando-se de tonturas. Acabei estudando o assunto pelas fontes que eu possuía à época e, ao avaliar os pacientes de forma mais global, descobria frequentemente doenças como diabetes nesses pacientes, que, com o tratamento, acabavam melhorando também da tontura. Muitos, no entanto, eu precisava encaminhar para o especialista (orrinolaringologista ou otoneurologista), pois realmente eu não conseguia abordá-los de forma satisfatória.
Apenas na minha residência médica de otorrinolaringologia, já em São Paulo, aprendi em detalhes o que vem a ser esse sintoma amedrontador (para o paciente e também para os médicos). A tontura foi o sintoma mais desafiador de meu primeiro ano de residência, pois os pacientes com essa queixa a descreviam de forma que eu não conseguia enquandrar nas doenças que eu conhecia. Um pequeno livro, Decifrando a Tontura, de dois autores, dois dos maiores nomes da otoneurologia - Dr. Fernando Freitas Ganança, que tive a honra de ter como professor na Unifesp em minha formação como otoneurologista, e Dra. Roseli Bittar, da USP - foi um divisor de águas em minha vida. Depois deste livro, eu aprendi que tontura era uma palavra usada por pacientes para descrever coisas diferentes! Uma mesma palavra tinha um significado para alguns e outro significado para outros. Aprendi que os três significados mais comuns atribuídos à palavra tontura são 1- ilusão de que o corpo está se movendo (sugere doenças de labirinto); 2- sensação de desmaio iminente (sugere doenças não labirínticas, como arritmias e hipotensão postural); e 3- desequilíbrio, que significa incapacidade de manter uma postura ou realizar uma marcha de forma apropriada (que sugere doenças neurológicas).
O termo tontura é tão mal compreendido, que apenas em 2009 passou a haver um consenso sobre isso. A Bárány Society, maior entidade mundial de otoneurologia, publicou um artigo de consenso definindo cada um dos sintomas vestibulares, ou seja, definiu o significado de cada um dos sintomas que as pessoas com doenças vestibulares (doenças do labirinto ou do equilíbrio) apresentam. Por esse consenso, vertigem significa ilusão de movimento do próprio corpo, ao passo que tontura significa perturbação na percepção de orientação espacial, porém sem ilusão de movimento corporal. Essa definição, porém, não é a mesma usada pelos pacientes que apresentam os sintomas e, por isso, é fundamental usar o tempo necessário para entender corretamente o significado que o paciente dá à palavra tontura. Precisei virar um médico de labirintite para entender isso!